domingo, 3 de maio de 2009

Rosas Vermelhas


Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.Nesse tempo o Sol nascia exactamente no meu quarto. Eu abria a janela. Em frente era o largo, a velha árvore do largo dos ciganos. Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. E respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo, debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? E as manhãs penduradas no mês de Maio, onde acordar era uma festa? Onde ficara a ternura? Onde ficara a minha vida?Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Dormia – como direi? – acordado sobre cada minuto. Tinha aprendido o irremediável. Alguma coisa, dentro de mim, se despedaçara para sempre (para sempre? Que quer dizer para sempre?). Era inútil chamar. Tinha aprendido, fisicamente, a solidão. Embora na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse, como se fosse a voz longínqua do meu povo:- Coragem!Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só dentro do meu sono povoado por esse grito que estalava por vezes as traves da minha cabeça (onde essa voz que mandava embora os fantasmas?).E era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada, toda feita de paredes, grades, perguntas, gritos. Mesmo que na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse:
- Bom dia!era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura, tão hostil, tão dolorosa como as regiões dos pesadelos. Porque acordar era ter a certeza de que a realidade não desmentiria o pesadelo.Mesmo que os meus dedos batendo na parede transmitissem notícias dum homem que podia responder:- Bom dia!de cabeça erguida era terrível acordar no mês de Maio, com a certeza de que no dia 12 a minha mãe não entraria pelo meu quarto, deixando-me na fronte um beijo, e rosas vermelhas sobre os meus vinte e sete anos.Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade. Eu estava na cadeia em Maio de 1963. Tinha aprendido a solidão. Tinha aprendido que se pode gritar com todas as nossas forças quando se acorda a meio da noite com um grito na cabeça e um rato (talvez o medo?), roendo-nos o estômago, que ninguém, ninguém virá repor a paz dentro de nós. E, então, é a altura de saber se as traves mestras dum homem resistirão. Pois só a tua voz, amigo, responderá ao teu apelo torturado na noite. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.
Manuel Alegre, in Praça da Canção
Rosas Vermelhas e Mil beijos para ti... com muito, muito amor e saudade

39 comentários:

Anónimo disse...

Belíssimo texto de Manuel Alegre!
Vim até aqui trazida pelo aroma suave das flores e pela vontade de
te desejar um Feliz Dia da Mãe.
Beijo.
isa.

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Muito feliz a sua postagem de rosas vermelhas, isso que eu chamo de começar um dia de bem com a vida, meus cumprimentos,
Efigênia Coutinho

Papoila disse...

Lindo texto de Manuel Alegre.
Belas as rosas vermelhas.
Parati uma rosa vermelha neste Dia da Mãe!
Beijos

João Roque disse...

Há tempos, publiquei no meu blog, este texto do M.Alegre, homenageando a minha Mãe.
É lindo e não podias ter escolhido melhor...
Beijinho.

helia disse...

Lindo,lindo este texto de Manuel Alegre! Um texto muito bem escolhido para o Dia da Mãe, que embora nem todas as mães nos acordem com rosas vermelhas, acordam-nos muitas vezes com um beijo não só no dia de anos, mas em muitos outros dias, principalmente quando somos crianças, e oferecem-nos nesse dia e em todos os outros muito carinho e mimos.Uma boa escolha para este Dia

Elvira Carvalho disse...

Este é um dos textos mais bonitos que Alegre já escreveu.
Bonitas as rosas. De mãe para mãe uma rosa e um dia muito feliz.
Um abraço

Vicktor Reis disse...

Querida Isamar

Também tu mereces uma bonita rosa rubra de sentir e paixão.
Beijinhos.

amigona avó e a neta princesa disse...

Lindo querida...e sabes, sorri! Mais uma vez eu coloquei rosas vermelhas, tu também...desci um pouco nas tuas mensagens e vi o 1º de Maio, uma foto igual à minha...já nos aconteceu várias vezes...bem-hajas minha querida amiga...continuo à espera de um dia te abraçar...sei que ao fazê-lo abraço alguém de quem gosto MESMO muito!Beijos...

Lilá(s) disse...

Vim trazer-te uma rosa vermelha, é perfumada...
bjs

Branca disse...

Querida amiga,

Chorei hoje de novo com este texto, que conheci há um ano atràs, creio que no sítio da Carminda Pinho, uma eterna admiradora de Manuel Alegre. É impossível não me comover com estes homens que deixaram tudo para estar no seu "posto", impossível não nos comovermos com aquela pétala numa carta violada...
Espero que tenhas tido um bom dia da mãe e que o perfume destas rosas tenham chegado à tua.
Para ti, o meu beijo, de mãe para mãe.
Leva também um para a Maria.

margusta disse...

Querida Isabel,
...Adorei o texto do Manuel Alegre, que desconhecia em absoluto!


Quanto a ti, espero que tenhas tido um Dia da Mãe muito Feliz!

Beijinhos da tua amiga,

Margusta

Graça Pires disse...

Um texto muito belo e comovente do Manuel Alegre.
Chegou aqui o cheiro das rosas.
Um beijo.

Manuel Veiga disse...

um texto poderoso. de sensibilidade e coragem...

beijos

SILÊNCIO CULPADO disse...

Cata-Vento

Manuel Alegre é sem dúvida um grande escritor e um grande poeta.
Este texto é duma grande beleza.


Abraço

Ana disse...

Um extraordinário e comovente texto de um grande poeta.
Um beijo para ti com uma rosa vermelha.

Anónimo disse...

Ó Rosa ó que linda Rosa;)
Boa semana. Tudo de bom.

gaivota disse...

difícil dizer alguma coisa, as palavras de manuel alegre são incontornáveis, mais ainda neste mês de maio, mês de flores, de rosas, de vida...
parabéns, minha querida, por teres escolhido este poema para o dia da Mãe, de todas as mães, cheias de flores, de aromas e de espinhos...
foram outros tempos, outras palavras ditas noutros espaços,
sempre tão presentes e tão actuais!
milesssssssssssss beijinhossssssssssss
bem hajas querida serrana, do mar!

anamarta disse...

Passei por aqui e deixo-te um beijo.

José Lopes disse...

Não conhecia este texto do Manuel Alegre, mas condiz com as rosas vermelhas que vi e das quais quase sinto o cheiro.
Cumps

Unknown disse...

Querida I.

nem sempre a tempo passo por aqui...mas sempre a tempo de todas as rosas!!!!!
Que elas embelezem todos os teus dias!!!!!

Ana Echabe disse...

Então neste ano fora lhe tirado o momento de comemorar não somente seu nascimento, com quem lhe amava, mas tbm em abraçar quem lhe deu a vida. Talves,oferecesse a sua mãe, não um botão mas uma braçada de rosas por todas as manhãs compartilhadas.

Isamar prefiro hoje lhe enviar petalas de rosas brancas vindas do alto como toda a maternidade deve ser, pela Paz!
Bjs

Alexa disse...

lindissimo este texto,não pude calar algumas lágrimas que me vêm sempre aos olhos quando leio documentos destes homens que sofreram na pele censura das palavras de pensamentos e ideias. E Manuel Alegre sofreu na carne.
As rosas cheiram lindamente
Parabêns

EDUARDO POISL disse...

Olha,
a palavra parada;
Luta,
por letras ocultas;
Ouça,
os versos internos
Solta,
a nudez poética;
Escreva-se,
poesia
ao menos um dia,
Seja.

(Maísa)

Desejo uma linda semana com muito amor, esperança e carinho.
Abraços.
Eduardo Poisl

pico minha ilha disse...

Lindo este texto de Manuel alegre!
Que as rosas sempre nos tragam o perfume de nossa mãe não só neste dia mas em todos os dias da vida.Um beijo com imenso carinho.

De Amor e de Terra disse...

Minha querida Isa(bel), obrigada pela tua visita.
Espero que estejas bem, minha querida Amiga.
Gosto muito deste texto de Manuel Alegre, muito mesmo.
Sempre me comove.
Obrigada por ele e um beijo enorme de muita Amizade da
Maria Mamede

Maria Faia disse...

Querida Amiga Isabel,

A leitura deste pedacinho de Manuel Alegre deixou-me com um nó na garganta que sempre me fica, todos os anos, durante o mês de Maio. É o mês do dia da Mãe e, simultaneamente, do aniversário daquela que me deu vida e comigo já não habita fisicamente.
Quantas saudades eu sinto, Amiga... Quantas...
Depois, Manuel Alegre tem sempre um cantinho especial nos nossos corações e, nos dias que correm, cada vez o entendo melhor.

Um beijo amigo para ti,
Maria Faia

o escriba disse...

Isamar

Um grande bjinho para ti!

Esperança

Riscos e Rabiscos disse...

Olá, passo agora aqui apenas para a cumprimentar e dizer que estive fora, daí não ter visitado o seu blog.
Quanto ao texto, corresponde ao padrão de qualidade que lhe é característico. Gostei!
Até breve

Lilá(s) disse...

Vim desejar bom fim de semana e trouxe uma rosa lilás(não tenho vermelha).
Beijinhos

Jorge P. Guedes disse...

Com toda amizade que tenho por ti, confesso-te estar farto do Manuel Alegre. Não propriamente do Alegre escritor que em tempos aprendi pelo menos a respeitar, mas do homem que hoje não parece saber que caminhos pisar.

UM ABRAÇO PARA TI e OS PARABÉNS PELAS BELÍSSIMAS ROSAS DO post.
E UM BOM FIM-DE-SEMANA.

jo ra tone disse...

Isamar,
Digamos que também nasceste num mês cheio de cor e aromas perfumados.
Uma rosa vermelha para ti.
Beijinhos

margusta disse...

Querida Isabel,
...passei e como não existe nada de novo, deixo-te apenas o beijinho que já trazia na bagagem e aproveito para te desejar um Bom fim de Semana.

Muito Obrigada pelas tuas doces palavras SEMPRE!

Anónimo disse...

Como ir "para vale de lençois,sem
1º passar por "casa dos Amigos?
Quando vejo as letras a desaparecer
do teclado...ñ bebi;mas tenho sono.
Beijinhos à tua Maria. A minha ficou,pela 1ªvez comigo e imaginas
a minha alegria...Docinha e derretida.
Beijo.
isa.

Papoila disse...

Querida:
Passa pelo campo.
Beijos

gaivota disse...

senti saudades tuas... andas "longe"!
apetece-me levar este manto de rosas, mas não sei se posso...
assim cheiro-as aqui,molho os pés no teu mar e veja o rosa e o tonho no alfazema!
milessssssssssssssss beijinhossssssssssss
saudadesssssssssssss

margusta disse...

Querida Isabel,

Deixas-me assim sem jeito .... dizes tantas coisas bonitas a meu respeito que eu..olha fico sem jeito mesmo!!!
Eu acho que não sou isso tudo querida amiga...
Muito Obrigada!... E eu tb desejo tudo de bommmmm tudoooooo para a tua família, e para ti!

Acho que sei de cor o teu olhar...quase aposto que te reconheci :) ;) ADIVINHEI_TE!
Tens olhos esverdeados, Lindos e cheios de um brilo intenso... Certo?

Muitosss beijinhos!

Ana disse...

Saudades de te ler, amiga.
Que esteja tudo bem contigo, apesar da falta das palavras.
Um beijo grande.

Riscos e Rabiscos disse...

Passei por cá e deixo votos de continuação de um bom Maio, chuvoso ou soalheiro, antecede o verão!
Até breve

gaivota disse...

levei o mar de rosas...
mil beijinhosssssssss