sábado, 7 de novembro de 2009

1896, Guerra Junqueiro, em " A Pátria"




"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. ( ...) Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."





15 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente está actual o que Guerra
Junqueiro escreveu!
Sinto,em cada dia que passa,mais uma traição ao nosso 25 de Abril,a quem tanto lutou e chegou a perder a Vida
para cumprir um Sonho bom...
Pode ñ parecer,pois nunca toco nesses temas.Mas sinto!
Beijo.
isa.

helia disse...

è realmente verdade , uma triste verdade, tudo o que Guerra Junqueiro escreveu há mais de um século mantém-se actual.

gaivota disse...

sempre à "frentex" guerra junqueiro, e não só! agora temos o que temos, isabel, é uma tristeza...
concordo mesmo com a isa e com a helia, também não abordo a política, brinco com o nosso amigo jorge, tenho as minhas ideias, mas não acredito em mudanças, já estou a falar demais...
a nossa p+átria querida cada vez mais ao abandono dos porcos!
bom fim de semana, minha querida
beijinhossssssssssss milessssssss

MPS disse...

Pátria é uma peça de teatro de propaganda republicana que se aproveita, primeiro, das soluções da Conferência de Berlim e, depois, do Ultimatum inglês, para agitar o País contra o rei D. Carlos, contra a casa de Bragança e contra a monarquia propriamente dita. A primeira versão é de tal modo violenta que Guerra Junqueiro achou por bem, antes de publicar a 4.ª edição (1923), retirar dela algumas cenas (sobre D. João IV, por exemplo) e, no final, incluir uma nota em que se redime das acusações que lançara sobre D. Carlos: em 1923, já a Pátria e Guerra Junqueiro (que sempre a amou), podiam constatar que a República, ao invés de salvar a Pátria, a afundara ainda mais na miséria e no opróbrio.

O excerto que a Isabel publica vem incluído nas notas finais e é mantido em todas as edições. E faz sentido, o que deve doer profundamente a Junqueiro. Mais adiante, em outra nota, vem o excerto que mais me importa, que é o da esperança (é um discurso datado de 1897, mas incluído na obra):

Não, a Pátria portuguesa, não morreu ainda. Num grão de areia há searas, n’uma braza, incendios. Pois doze apóstolos ignorantes mudaram a face da humanidade e vinte mil homens, querendo, não mudarão a face de um país? Vinte mil! bastariam vinte. Vinte, sacrificando-se até à morte. Um crente é inexpugnável: Podem agrilhoá-lo, que ficou mais livre; podem roubá-lo, que ficou mais farto; podem matá-lo, que ficou ainda com mais vida. Cristo, pregado numa cruz, e rei do mundo, eis o símbolo do espírito humano trinfante. Só o ideal é real. Da existência dum homem ou dum povo duram os momentos fúlgidos em que tal homem ou tal povop encarnam a virtude e ou o génio, manifestaram Deus.

Leiam a nossa história, a crise tremenda do fim do século XIV. Hesitante a consciência da pátria, o rei morto, a raínha odiada, a fidalguia por Castela, a burguesia inerte e o povo tumultuando mas indeciso e desconexo. E um homem único, heroi e santo, capitão e vidente, ajoelhou e rezou, brandiu o gládio e salvou a pátria. Como? Pela fé: atraindo Deus, absorvendo Deus, irradiando Deus. Hauriu o Infinito e propagou-o em volta. Electrisou de Eternidade um povo que ia sucumbir, e insuflou-lhe vida, sangue novo, sangue de aurora para destinos imortais.

A obra de Nunalvares foi de ideal estreme, de ideal sem mancha. (…)


Cara Isabel, desculpe a dimensão deste comentário, mas senti que estava a precisar de um aconchego de luz. Quanto aos mixordeiros do poder, mande-os pastar grilos.

Um grande abraço

mixtu disse...

nunca li nada dele, tenho que ler
abrazo serrano

jo ra tone disse...

Pouco conheço sobre Guerra Junqueiro. O que está descrito, em relação aos dias de hoje, e mais do que nunca, é uma realidade.
Isto cansa e destroi.
Vamos levando isto com calma.
um dia eles hão-de cansar-se.
Beijinhos

Jorge P. Guedes disse...

Retrato forte, com pinceladas a negro, mas ainda assim muito aproximado do que hoje o mesmo Junquerio poderia escrever. Ou não ? Estaria ele a zurzir ou-ter-se-ia acolhido ao bem-estar de um partido?
Acredito que estivesse do lado da razão, mas é algo que nunca saberemos. O que sei é que, hoje, não há ninguém a escrever assim. Falta de valores ou de tomates, não sei.

UM ABRAÇO.

amigona avó e a neta princesa disse...

E tão actual! E tão verdadeiro! E continuamos a dizer que não nos metemos em política e não acreditamos em mudanças - mas assim estamos a ajudar a não haver mudanças! E viver, apenas viver é um acto político porque queremos ser felizes!E todos somos precisos para construir a felicidade! Tenho saudades Isabel, por onde andas amiga? Beijos...muitos...

João Roque disse...

Extracto muito específico ou exemplo de uma obra que mo seu todo não era assim, eu sempre me recordo, desde há longos anos de ouvir citar este texto, como o retrato do país actual, o que só mostra, que desde há muito permanecemos uma "choldra"...

Anónimo disse...

Neste País Democrático, à beira-mar plantado (efeitos matinais) temos de tudo...como na farmácia. Dizem que faz parte da Democracia...não sei se está certo ou não, mas, assim vai Portugal...uns BEM, outros MAL.

Boa semana


Tudo de bom.

lagartinha disse...

E nada mudou entretanto...a não ser aqueles que agora roubam à descarada, o que seria impensável numa determinada época em que ainda havia vergonha na cara...e medo do degredo...
Beijinhos verduscos

gaivota disse...

vim dizer bom dia!
e reconfirmar as palavras já ditas... não há vergonha nem sentimentos, só materialismo na cabeça de algumas pessoas...
beijinhossssssssssssss milesssssssssss

Elvira Carvalho disse...

Tão triste chegar à conclusão de que Guerra Junqueiro, Eça de Queiroz e outros mais antigos ainda estão tão actuais. Como se fora nosso destino atravessar o túnel do tempo sempre feitos bestas que não tentam alijar a carga.
Um abraço e tudo de bom

com senso disse...

Portugal não mudou mesmo nada... Nem aprendeu nada!
Nem Portugal nem os portugueses, que repetem da mesma maneira os mesmos erros, com os mesmo defeitos!

Jorge P. Guedes disse...

Passo e deixo-te o meu abraço.

Um bom momento da escrita de Junqueiro e que aqui trouxeste em bom momento! Actualíssimo!