quinta-feira, 9 de abril de 2009

25 de Abril Explicado às Crianças

Amigos, encontrei na net, num espaço designado de Netparque -Arquivo, este extraordinário artigo sobre livros para as nossas crianças e não pude deixar de o partilhar convosco. Elas não viveram este momento, os seus pais eram muito novos então mas não deixemos que a luta pela obtenção da liberdade, misturada com sangue, suor e lágrimas, seja esquecida. Eu sou filha da ditadura mas sempre cresci a ouvir defender a Liberdade.



"No dia 25 de Abril de 1974 eu tinha 4 anos. No dia 25 de Abril havia na rua soldados, canhões, jipes. No dia 25 de Abril as pessoas andavam na rua muito contentes em cima dos tanques de guerra e as pessoas que não iam era porque estavam doentes ou iam dar um passeio ou porque tinham raiva ao 25 de Abril. O 25 de Abril é um dia de liberdade para as pessoas que gostam do 25 de Abril e gostam da liberdade".
Pedro Sérgio, que terá 31 anos no ano 2001 ( 39 hoje), foi um dos alunos seleccionados para figurar na antologia do Concurso Nacional Escolar "Liberdade e Democracia", publicada em 1979. É um pequeno livro de formato rectangular, com cerca de 100 páginas repletas de desenhos e textos de crianças, em verso ou prosa, que têm em comum o olhar ainda fresco de uma época de emoções intensas e ainda em festa. Mas não só, porque os bons sentimentos não chegam para fazer História, há aqui uma confiança inocente nas capacidades dos homens e algum desencanto, sintomático das condições reais vividas pelas crianças e, obviamente, do efeito de rescaldo que atravessou o país no final nos anos 70.


"Quanto ao resto vemos Portugal com as mesmas misérias, carência no custo de vida, continua o desemprego", escreve Manuel Alexandrino, de 10 anos. "A Elsa disse que tinha perdido a casa dela e disse que foi por causa da do 25 de Abril, mas não foi por causa do 25 de Abril foi por causa do governo fascista", conta a Ana Cristina, de 11 anos. Ou ainda o Rui Alexandre, 9 anos: "Para mim que sou natural de Moçambique, também é triste, porque me custou tanto deixar a minha querida terra por causa do 25 de Abril. Por isso, eu não gosto deste dia".
Quatro anos depois do 25 de Abril, as crianças falavam assim, num mundo de adultos preocupados com outras guerras. Nas livrarias, "O Capital" de Karl Marx aparecia no top, o mercado infanto-juvenil andava muito longe do boom e as emoções estavam ao rubro para que se manifestassem preocupações didácticas" E, depois, como se explicam valores como "liberdade" ou "igualdade", quando se anda demasiado ocupado a vivê-las?
Não se sabe se Pedro Sérgio, que terá 31 anos no ano 2001, guardou com convicção a sua ideia de liberdade; nem tão pouco se, hoje, terá um filho ou uma filha com a mesma idade em que escreveu aquelas palavras, e a quem queira explicar o que foi a Revolução dos Cravos.
Se assim for, Pedro Sérgio vai sentir alguma dificuldade em encontrar nas livrarias e grandes superfícies obras sobre o 25 de Abril especialmente dirigidas às crianças. E a verdade é que, para elas, a data terá um significado idêntico ao que o 05 de Outubro de 1910 e a implantação da República têm para a "geração de 60".


A capa mais frequente nos escaparates tem uma ilustração feliz de João Abel Manta: empoleirados num tanque, soldados com pinta de Pai Natal distribuem sorrisos e presentes a um bando de crianças. Com texto de José Jorge Letria, "O 25 de Abril contado às Crianças" e aos Outros" (Edições Terramar, primeira edição em Abril de 1999) é um livro que pode ser lido por crianças e adultos" jovens adultos de 20/30 anos, sobretudo. Tem o mérito de sustentar informações objectivas (factos, datas, nomes") numa linguagem clara e familiar, favorecida pelo tratamento por "tu" do leitor. E funciona.
José Jorge Letria não nega ser esta uma "história pessoal como todas as histórias", mas isso não o impede de tocar em temas difíceis como as torturas no Tarrafal ou o Portugal dos bidonvilles de Paris. E descobre facilmente analogias que permitem a uma criança perceber (leia-se "perceber" com aspas") mecanismos hoje tão abstractos como o lápis azul da censura:
"Certamente que não imaginas hoje que um jornal que faças na tua escola ou um poema que escrevas para um jornal ou uma peça que queiras representar com colegas teus tenham de ser lidos ou vistos por senhores carrancudos que, do alto da sua autoridade, lavrem sentenças como estas: «Isto pode ser dito, mas aquilo tem de ser cortado; se não for, fica desde já proibido»".


Também de José Jorge Letria, podem encontrar-se "Capitães de Abril" (Ed. Âmbar, 1999) e "Era Uma vez um Cravo" (Ed. Câmara Municipal de Lisboa, 1999), entre vários títulos de uma larga produção consagrada ao público infanto-juvenil. "Era Uma Vez um Cravo" é outra forma de contar o 25 de Abril, em versos populares de rima cruzada, completada com as ilustrações de André Letria, filho, a traço grosso e naïf. "Lá passou de mão em mão/ entre o Carmo e o Rossio/ era um cravo esvoaçante/ a espreitar ao fundo o rio".

Mais indicado para adolescentes, pela forma como tenta aproximar-se do seu jargão próprio e universo de interesses, é "O Soldado e o Capitão", de Valdemar Cruz (Ed. Campo das Letras). Na mesma linha, embora com outra profundidade e desenvoltura de linguagem, Alice Vieira escreveu "Vinte e Cinco a Sete Vozes" para a colecção Caminho de Abril.
Ainda da Campo das Letras, surge um livro pequeno " mas encantador ", edição comemorativa do 26º aniversário do 25 de Abril: "A Fábula dos Feijões Cinzentos", de José Vaz, com ilustrações de Elsa Navarro. Trata-se de uma leitura metafórica do Portugal pré-Revolução de Abril, que tem como cenário um reino chamado "Jardim-à-Beira-Mar-Plantado", exclusivamente habitado por feijões (e feijocas, suas mulheres).


No 25 de Abril de 2001, a Campo das Letras prepara-se para lançar "Vassourinha", com texto de António Torrado e desenhos de João Abel Manta.

Para já, ficam uns pozinhos da "Fábula dos Feijões Cinzentos": o feijão Carrapato é o ditador, com a ajuda do feijão Fidalgo e do feijão Frade. Durante 48 anos, mantêm o reino mergulhado em cinzento, até ao dia em que o feijão Vermelho começa a conspirar e, junto com outras espécies de feijões " Canário, Moleiro, Preto, Catarino e Galego, entre outros " trata de armar a Revolução. O resto já se sabe: "" ninguém mais roubou o Sol e o Ar aos outros, e a Água começou a ser repartida por todos. Quando isso aconteceu, os feijões cinzentos voltaram a ter as cores antigas e no reino vegetal foi Primavera".

Texto: Carla Maia de Almeida
Tratamento de Imagem: Edgar Alves

ESPECIAL 25 DE ABRIL
O 25 de Abril em CD
Os livros do 25 de Abril
O 25 de Abril no cinema
A televisão e o 25 de Abril
Cultura e variedades no 24 de Abril
A poesia pintada sai à rua
Monumentos ao 25 de Abril
Cutileiro contra as estátuas "lambidinhas" da ditadura
Fotos de Alfredo Cunha

8 comentários:

Anónimo disse...

Ñ conhecia esse lugar na net.
Obrigada pela partilha.
Nas aulas guardo sempre um momento
para falar desse dia.Gravei as imagens de momentos únicos para mais tarde recordar...
Beijo.
isa.

Alexa disse...

Não conhecia , fiquei maravilhada
muito obrigado pela partilha. Nas escolas até ao 9º de escolariedade práticamente não falam do 25 de Abril.
Vou mostrar este texto
ao meu filho.
Abraço

Goldfinger disse...

Querida amiga

Segunda feira voltarei para comentar esta tua postagem.
Hoje estou apenas a desejar-te uma óptima Semana Santa.
Muitos beijinhos

GOLDFINGER

Riscos e Rabiscos disse...

Uma pesquisa bibliográfica diversificada. Diferentes olhares escritos e ilustrados por nomes grandes das artes das letras e das cores! Gostei, mais a mais sendo eu portuguesa de longe daqui :-)

Branca disse...

Querida amiga,

Sempre atenta às grandes novidades. Muito obrigada pelas preciosas informações e pela partilha. Ainda bem que há quem se lembre de colmatar o lapso que tem existido na transmissão de acontecimentos recentes da nossa História, mas que para os mais novos podem parecer muito longínquos.
Deixo-te um beijinho e votos de uma Boa Páscoa.

o escriba disse...

Isamar

Já conhecia esse sítio e outros que utilizo nesta altura para falar aos meus miúdos sobre o 25 de Abril. Mas é sempre bom partilhar aquilo que sabemos e que vamos descobrindo.

Desejo -te uma Boa Páscoa com saúde e alegria.

bjinhos
Esperança

João Roque disse...

Obrigado pela partilha; é por coisas destas que a blogosfera vale a pena...
Boa Páscoa.
Beijinho.

Poeta ou Poetisa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.